Antes de  debatermos as propostas de reforma eleitoral colocadas em discussão,  temos de avaliar nosso atual sistema político, sob o risco de jogarmos a  criança fora junto com a água do banho.
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Acredito,  em primeiro lugar, que nosso atual sistema eleitoral e político tem  grandes virtudes, resultados de 20 anos de luta popular contra um regime  de exceção, que privou a sociedade brasileira do direito de decisão  sobre seu próprio futuro.
Construída  por muitos companheiros nossos, esta democracia é ampla, massiva e com  qualidade em sua representação, nos dando um diferencial em relação a  países com o mesmo grau de desenvolvimento econômico, como China e  Rússia.
É  esta democracia que construímos que garantiu a possibilidade de um  operário e líder sindical chegar à Presidência da República por duas  vezes. Que permitiu que uma mulher chegasse ao comando do governo  federal. E que tornou possível ao Partido dos Trabalhadores se tornar a  maior bancada da Câmara dos Deputados.
Nosso  sistema de eleição proporcional garantiu, no Congresso, a reprodução do  amplo espectro ideológico da sociedade brasileira, desde a extrema  esquerda até a extrema direita, com representação de diversos interesses  específicos.
Essas  virtudes – representatividade de forças e participação massiva – têm de  ser aprofundadas, enfrentando os reais problemas que temos.
Desafios e falsas soluções
A  primeira fragilidade da democracia brasileira é o financiamento privado  das campanhas, que torna o sistema de representação política refém do  interesse das grandes empresas. O financiamento privado estabelece uma  promessa de negócios junto à administração pública que tem sido uma das  fontes de corrupção do Estado. Uma democracia virtuosa como a nossa não  pode ter sua credibilidade colocada em xeque por denúncias sucessivas de  escândalos.
O  poder das empresas privadas também interfere na autonomia programática  dos partidos e afasta da disputa eleitoral possíveis candidatos, como  intelectuais, lideranças de movimentos sociais e pessoas comuns.
Alguns  perguntarão se, diante de tantas demandas de saúde, infra-estrutura,  educação, deveríamos aplicar dinheiro público no financiamento de  campanhas eleitorais. Na nossa visão, é um gasto nobre que representaria  um investimento na qualificação de nossa representação política.
A  segunda fragilidade da democracia brasileira é a personificação das  representações políticas. Nosso sistema é calcado em personalidades, e  não em ideias e compromissos programáticos.
A  solução para esta questão é a transição do voto uninominal para o voto  no partido. Temos muitos exemplos de como implantar esse sistema  garantindo maior liberdade ao eleitor na escolha do candidato.
Num  sistema eleitoral em que os partidos tenham mais peso, será necessário  também discutir a legislação partidária, para garantir a democracia  interna nessas instituições. São comuns no Brasil comissões provisórias  que se tornam permanentes, ou direções que se eternizam nas legendas,  sem permitir renovações.
Em  terceiro lugar, temos um número excessivo de partidos, com 21 legendas  representadas no Congresso Nacional. E não há este espectro programático  tão diverso na sociedade brasileira. Temos que acabar com coligações  proporcionais ou transformá-las em federação partidárias – em que a  coligação é obrigada a se manter após as eleições.
Muitos  destes pequenos partidos sobrevivem à custa dos grandes partidos, se  coligando em diversos estados com partidos diferentes. O fim da  coligação proporcional diminuiria o número sem afetar os partidos  programáticos. O P-SOL, por exemplo, não coliga e tem três parlamentares  federais.
O  voto distrital transformaria o parlamento nacional na soma de politicas  regionais, sem garantir uma unidade programática que dê coesão às  bancadas. Isso quebraria a virtude do sistema, que é proporcional em  termos de forças politicas e de idéias politicas.
Aprofundar e qualificar a democracia
Do  ponto de vista político mais amplo, nossa democracia ainda tem dois  grandes desafios. Um é a intensificação e facilitação dos mecanismos de  democracia participativa.
Os  mecanismos de democracia participativa poderiam dar densidade a  decisões sobre questões polêmicas, evitando até a judicialização de  temas de interesse nacional. O limite da legislação brasileira sobre a  pesquisa em células-tronco foi definida pelo Superior Tribunal Federal  (STF), que decidiu sobre o tema por uma margem pequena de votos. Esse é  um assunto de interesse de toda a sociedade que envolve questões de  saúde, ciência e até religiosas. Melhor do que decidir esta questão em  um debate teoricamente frio, sobre a letra da lei, não seria um processo  de amadurecimento de nosso país fazer um grande debate nacional sobre  todos os aspectos do tema e decidi-lo na urna?
O  segundo grande desafio político de nossa sociedade e de nosso partido é  construir uma representação mais real da sociedade brasileira dentro do  Congresso Nacional e dentro dos partidos.
Tomemos  como exemplo o recorte de gênero. Nossa sociedade é composta  majoritariamente por mulheres. São 55 % de nossa população, mas apenas  8% de nosso parlamento. Na questão racial, também temos uma  sub-representação tanto de negros quanto das populações indígenas.
Ou  criamos mecanismos de representação ou continuaremos a ter um congresso  majoritariamente com déficit de representação da sociedade, que reduz  sua legitimidade.
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É  responsabilidade de todos nós, acadêmicos, militantes e estudantes,  criar um novo marco que qualifique nossa democracia e amplie os espaços  de participação popular.
Paulo Teixeira  é deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores (PT), advogado e  mestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP).                    
 
 
 
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